segunda-feira, 20 de junho de 2011

Overtraining – moderação até na pratica de atividade física é bom.


A atenção dada pelos serviços de saúde ao controle do sedentarismo através da prática regular de exercícios e a mudança dos padrões estéticos que rumam para a eterna busca do corpo perfeito têm levado indivíduos a buscarem, através do exercício físico, a redução da massa corporal, o aumento da massa muscular, além do tradicional condicionamento aeróbio. Por outro lado, atletas de alto nível sofrem danosas conseqüências decorrentes das pressões provocadas no contexto atual da prática desportiva que é de grande exigência.

Partindo daí podemos observar um volume de treinamento muito grande, às vezes, maior que o próprio corpo possa suportar, pois até para a pratica de atividade física devemos utilizar a sábia palavra MODERAÇÃO. Ao invés de trazer benefícios, o excesso de estímulos impede as adaptações fisiológicas e pode levar ao Overtraining (OVT), um processo multifatorial e sério que acontece quando o organismo é submetido a uma sobrecarga exagerada sem que haja o devido descanso, levando a graves alterações metabólicas, redução do desempenho atlético e da resposta ao treinamento em indivíduos saudáveis, incidência de contusões e infecções virais e bacterianas por queda de resistência imunológica, alterações no estado de humor, fadiga constante, etc. Esse conjunto de sinais e sintomas remete o indivíduo à fadiga crônica, cuja etiologia envolve-se com o desequilíbrio de neurotransmissores cerebrais, como a diminuição dos níveis de serotonina (5-HT), que, por sua vez, é derivada do triptofano, um aminoácido veiculado pela dieta através de alimentos ricos em proteína. É possível que o metabolismo energético, secundário a mudanças endócrinas, seja alterado na síndrome do OVT e, conseqüentemente, afete também a fadiga. Estudos têm demonstrado que deficiências ou desequilíbrios em neurotransmissores podem ser causados por severo ou longo estresse.

Outros fatores podem predispor o indivíduo à síndrome como o grande número de competições, a monotonia do treinamento, excessiva expectativa de resultados de treinadores ou familiares, a estrutura individual da personalidade, o ambiente social, problemas pessoais, as condições médicas preexistentes, os fatores ambientais (altitude, temperatura e umidade) e mesmo a falta de orientação de um profissional para a correta prática do exercício físico. Várias situações parecem relacionar-se com a síndrome do OVT e, apesar da sua extensa lista de sinais e sintomas, um critério diagnóstico definitivo e seu mecanismo bioquímico-metabólico ainda permanecem desconhecidos.

É importante ressaltar que a síndrome de OVT pode acometer tanto atletas engajados em exercícios de endurance quanto aqueles envolvidos em programas de treinamentos de força e velocidade. Embora ambos os quadros sejam considerados OVT, acredita-se que os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento dessa síndrome em atividades aeróbias e anaeróbias sejam distintos. E não vá pensando que porque você não é atleta que está livre desse mal. Treinadores assíduos de academia ou praticantes de atividades ao ar livre também estão sujeito ao OVT se o mesmo for praticado sem o devido tempo de recuperação e com a sobrecarga ideal de atividade, respeitando os limites de cada indivíduo.

Apesar dos poucos registros, estudos demonstram que os sintomas de OVT já foram observados em até 50% dos jogadores de futebol semi-profissionais, 65% dos corredores de longa distância e em 21% dos nadadores em equipes nacionais em algum momento da sua carreira profissional (Gastmann & Lehmann, 1998).

O excesso de treinamento pode ser distinguido em basedovóideo (simpaticotônico) e adisonóideo (parassimpaticotônico). O primeiro é caracterizado pela predominância de processos de estimulação e intensa atividade motora. A recuperação após as cargas é insuficiente e retardada. Esta forma de overtraining é fácil de diagnosticar, pois o atleta sente-se doente e existe um grande número de sinais e sintomas indicadores como: anorexia, perda de peso corporal, sudorese, dores de cabeça, falta de energia, aumento de freqüência cardíaca basal e da pressão arterial, irritabilidade, insônia, inapetência, dificuldade de concentração, arritmias, aumento da resposta aguda das catecolaminas, adrenalina e noradrenalina, etc. Trata-se de uma resposta prolongada ao estresse, precedendo a exaustão, que acomete atletas mais jovens de esportes anaeróbios que envolvem velocidade, força e potência.

Quantidades excessivas de treinamento, ansiedade e acúmulo de competições com intervalos insuficientes de recuperação são geralmente mencionados como fatores causadores de overtraining simpaticotônico. A ansiedade de ter que produzir esforços máximos no treinamento todo dia e competir em um grande número de eventos pode ser emocionalmente estressante, particularmente se o atleta é muito ansioso.

A síndrome de origem parassimpaticotônica é caracterizada pela predominância de processos de inibição, fraqueza física e falta de atividade motora. O atleta pode expressar que ele não se sente cansado, mas não se encontra em condições de mobilizar energia necessária para participar de um evento esportivo. O atleta em repouso pode não apresentar sintoma algum, mas os mesmos podem aparecer inesperadamente. Ocorrem também manifestações de ordem depressiva e neuro-hormonais, apatia e baixa freqüência cardíaca de repouso. Esse tipo afeta atletas altamente treinados em esportes aeróbios como triatlon, natação de longa distância, maratona e ciclismo de estrada e é mais comum em indivíduos mais velhos, com maior tempo de vida desportiva.

Como podemos observar, várias alterações fisiológicas, biológicas e psicológicas ocorrem na síndrome do OVT, porém, nenhuma delas, até o momento foi considerada isoladamente confiável a ponto de ser aceita como teste diagnóstico. Algumas delas são: alterações nas concentrações de lactato em esforço máximo ou seu limiar, redução da excreção noturna de noradrenalina, aumento do cortisol sérico (ação catabólica), diminuição da testosterona (ação anabólica) e alterações nos níveis de creatinoquinase e uréia, alterações da concentração de serotonina no SNC (a modulação da serotonina relaciona-se diretamente com a regulação da dor, comportamento alimentar, humor, fadiga e sono).
Vejam quais são os sinais do corpo que podemos observar quando existe algo errado com nosso organismo devido o treinamento excessivo.

Sinais no desempenho físico, como a incapacidade de completar as seqüências ou repetições do exercício, perda do estímulo competitivo e da determinação;
Redução no esforço muscular: a pessoa se sente mais fraca durante e depois do exercício;
Menor coordenação motora e maior chance de lesões;
Aumento ou redução na freqüência cardíaca de repouso ou pressão arterial em relação aos valores basais: durante uma atividade, uma pessoa normal em repouso tem entre 70 e 90 batimentos por minuto. O aumento desse número pode indicar o Overtraining.
Aumento na captação de oxigênio na freqüência cardíaca e no lactato sanguíneo (substância gerada no organismo pela contração muscular) ao exercício submáximo padronizado: quando um exercício é realizado com mais de 85% da capacidade cardíaca, o organismo precisa de mais oxigênio do que normalmente utiliza (a respiração fica ofegante); a freqüência cardíaca tende a ficar mais alta e o lactado sanguíneo passa a ser produzido em grande quantidade, o que leva à fadiga;
Redução ou nenhuma alteração na massa corporal;
Hipersensibilidade muscular e maior risco de infecção: a pessoa se queixa de coisas simples, sente dor por qualquer coisa, fica depressiva, tem baixa imunidade e tende a ficar gripada com freqüência;
Estado de disposição alterado: a fadiga é grande e também ocorre a perda do apetite;
Possíveis mudanças no padrão do sono como dificuldades para dormir, sono intermitente (dorme e acorda), pesadelos e insônia.

Prevenção, Orientação e Tratamento do Overtraining

Conforme descrito anteriormente, a principal causa da síndrome é o desequilíbrio entre o treinamento e a recuperação. O indivíduo deve ter uma recuperação adequada ao volume e à intensidade do treinamento para que ocorra a melhora do desempenho. Desta forma, a periodização do treinamento com recuperação suficiente pode evitar a ocorrência de OVT caso sejam levados em consideração outros estressores e as suas influências na recuperação. Além da periodização do treinamento, a prevenção do OVT pode ser realizada monitorando-se os efeitos do treinamento através de parâmetros objetivos e subjetivos. É importante que o indivíduo realize um “check-up” médico antes de iniciar o treinamento físico. Além disso, o treinador deve ter conhecimento sobre os hábitos do atleta (hábito alimentar, padrão de hidratação, consumo de álcool, café, cigarro, qualidade e quantidade habitual de sono e nível de estresse psicológico, social e econômico). Pode-se utilizar uma escala de percepção de esforço (Borg, 1973) que monitora a sensação de fadiga subjetiva do atleta em relação às diferentes cargas de treinamento. Além disso, pode- e monitorar as possíveis alterações de humor através de um questionário do perfil do estado de humor, por exemplo o POMS (McNair e cols., 1971) que pode indicar se o indivíduo apresenta este tipo de alteração em determinadas fases da periodização. Para isto, tanto a escala de Borg quanto o questionário POMS devem ser utilizados ao longo das diferentes etapas da periodização. O treinador também deve monitorar a freqüência cardíaca (FC) de repouso e durante o exercício já que durante o OVT o atleta pode apresentar FC aumentada para uma determinada carga submáxima e FC de repouso alterada em relação ao seu estado normal. A FC também deve ser observada ao longo da recuperação do exercício, pois o atleta com OVT pode apresentar um retardo no retorno da FC pós-exercício para os valores basais. É sempre importante a comparação dos dados com resultados prévios do próprio atleta para uma melhor avaliação. Desta forma, deve-se estabelecer uma rotina diária de anotações dos dados clínicos e técnicos, pois somente assim poderemos observar precocemente os sinais e sintomas do OVT. Além do monitoramento realizado pelo técnico o atleta pode realizar exames laboratoriais periódicos que possam detectar alterações do desempenho e de algumas variáveis bioquímicas e hormonais. Caso o atleta desenvolva a síndrome do OVT, apesar de todos os esforços para evitá-la, torna-se necessário um tratamento eficiente. Um dos tratamentos mais descritos na literatura é o repouso por aproximadamente duas semanas (caso o atleta esteja em um estado agudo de OVT). Entretanto, existem atletas que simplesmente não suportam a idéia de interromper completamente o treinamento por este período de tempo. Nestes casos, a recuperação ativa também é eficiente, mas o atleta deve praticar esportes diferentes da sua modalidade. Após o período de recuperação, o indivíduo deve reiniciar o treinamento muito lentamente e aumentar as cargas de treinamento de acordo com a sua percepção de esforço. É importante salientar que o indivíduo que apresentar a síndrome do OVT propriamente dita necessita de mais tempo de recuperação, normalmente mais de duas semanas ou até alguns meses. O acompanhamento psicológico profissional é recomendável em muitos casos porque a depressão é um dos maiores problemas entre os atletas com OVT e pode ser necessário o uso de antidepressivos e psicoterapia. A nutrição adequada é um dos fatores mais importantes para a obtenção dos efeitos positivos do treinamento, para a melhora do desempenho e para os atletas em tratamento do OVT. O padrão do sono é muito importante durante a recuperação. Além disso, todos os estressores adicionais devem ser minimizados. As viagens podem aumentar o cansaço, mas em alguns casos a mudança de ambiente e a descoberta de novos hobbies podem auxiliar a recuperação. Apesar de todas estas recomendações, a prevenção da síndrome é a principal indicação para o Overtraining.

O único tratamento efetivo é o repouso prolongado, o qual impossibilita a participação dos atletas em competições, podendo levar a uma perda de motivação e até mesmo ao abandono do esporte. Assim a melhor maneira de se evitar a manifestação da síndrome é a prevenção. Como ainda não existem marcadores fisiológicos ou biológicos objetivos que permitam um diagnóstico precoce do quadro, o uso de instrumentos que possibilitam medidas de estados de humor tem demonstrado eficácia na detecção de sinais iniciais da síndrome do overtraining, prevenindo seu desenvolvimento completo e evitando um período de inatividade.

São considerados indivíduos altamente suscetíveis ao desenvolvimento do quadro:

Atletas muito motivados;
Atletas de alto rendimento;
Atletas que retornam precocemente aos treinos, antes de estarem completamente recuperados;
Atletas e não atletas auto-treinados;
Indivíduos com orientação técnica não qualificada.

A síndrome do excesso de treinamento tem uma grande relevância no âmbito esportivo, principalmente no que tange a atletas de elite que buscam superar seus limites e àqueles que se submetem à prática de atividade física sem orientação especializada. Diagnosticar e prevenir precocemente o desenvolvimento do quadro, bem como proporcionar o alcance máximo do desempenho exige conhecimento pleno dos processos fisiológicos e psicológicos envolvidos na adaptação física do atleta frente ao estímulo a que é submetido.

Fatores externos, como estresse, relações interpessoais e ambientais têm importância significativa no contexto da mesma e devem ser considerados parâmetros importantes a serem observados na avaliação dos estados alterados nas situações em que ocorra o excesso de treinamento.

Atletas, indivíduos envolvidos em atividades físicas e reabilitação, treinadores e cientistas do esporte e da saúde seriam beneficiados com a descoberta de um teste simples, específico e sensível para o diagnóstico do quadro. Estudos em andamento visam validação de instrumentos na detecção precoce da síndrome do excesso de treinamento em atletas e não atletas brasileiros.

Mais uma vez, fica claro o grande importância de um profissional competente quando pensamos na realização de atividade física, seja qual for seu objetivo, estético, busca de qualidade de vida, competitivo, enfim, para cada modalidade existe uma especialização e cuidados a serem seguidos.

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